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É fatal que os tablóides ingleses representem o creame de la creame da ofensividade quando se trata de perseguir e caçar famosos. The Sun, o Daily Star, entre outros, forneceram os moldes para a escola da invasão de intimidades e multiplicam seu modelo mundo afora, com paparazzos em motocicletas, calcinhas flagradas e vendas exorbitantes de matérias efêmeras.
É interessante perceber como o culto ao gossip, ao cotidiano das celebridades e aos escândalos floresceu seguindo aquela velha máxima dos biscoitos: publicam-se porque são famosos, são famosos porque publicam-se. Mais interessante ainda é perceber como esse mercado desenvolve-se nas diferentes culturas; exemplos incríveis são Brasil e Portugal, veja: não se vendem tablóides com cantores cheirando cocaína nesses dois países. Importa o que esses famosos fazem de mais trivial como ir as compras, levar as crianças na escola etc. Em Portugal, a coisa tem proporções ainda mais leves porque nem fotos insinuantes na praia costumam ser alardeadas. Ora, nada tão indecente que o conservadorismo.
Carla Sofia Dias Chambel nasceu em Amadora, Lisboa, ao s finais dos anos 70. Começou cedo sua carreira de atriz, dedicando-se com exclusividade à grande arte do teatro em peças de Sheakespeare, Almeida Garret ou adaptações de autores russos como Dostoieviski. Ela estava desde o início em projetos exigentes para qualquer profissional dramático e, naturalmente, cursou a Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa. Mas hoje, ao digitarmos o nome “Carla Chambel” em sites de busca, metade do retorno apontará para sites de conteúdo erótico.
Por sua participação na série “Jura”, Carla Chambel despontou na televisão portuguesa e nas rodas de pornógrafos. O programa, que tratava de intimidades entre casais e amigos, exibia diversas cenas ousadas estreladas pela atriz e, de repente, ela tornou-se bastante conhecida, mais do que sua dedicação ao teatro lhe permitiria e mais do que o próprio trabalho na TV incitaria. Mas na imprensa, quase um silêncio absoluto, o rubor da impressa lusa não permite que certos assuntos sejam comentados, como em escândalos que explodem para dentro.
É por isso que as declarações de Carla sobre o assunto da subversão do seu trabalho e o modo como enfrenta suas cenas de nudez se tornam muito corajosos: porque a ninguém apetecia falar sobre o assunto. Embora não estivesse totalmente consciente da repercussão na net, continuo a ter muito orgulho em ter feito esse trabalho, disse em recente entrevista para o portal Sapo.pt. Dirige-se sempre com esse mesmo tom frontal; revela-se como uma mulher sem medo de exposições em nome do seu trabalho, vê-se claramente que é saída das disciplinas do tablado. Modifica de certa forma o rumo do caso ao exaltar a exposição de si, o que exige ainda mais coragem num país onde as mulheres preferem o recato.
Enriquecendo o currículo, Carla Chambel viverá no cinema uma das irmãs de Amália Rodrigues, Celeste, na produção “Amália” dirigida pelo cineasta Carlos Coelho da Silva. Divide-se ainda a incursões no teatro de marionetes. Basta-nos esperar para conhecer os desdobramentos da carreira dessa mulher incomum em seu país, que fala de si, de seu corpo e de seus desejos artísticos com uma rara abertura íntima. Podemos esperar também que a imprensa portuguesa atente-se para a busca do equilíbrio entre o silêncio de suas publicações e a excessivamente inútil fala dos demais tablóides europeus.
Texto e desenho publicados no Obvious.