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Thalma tem uma voz suave, e tem calma para começar a usar sua voz suave. O crítico levanta a mão ali atrás e diz que Thalma chegou com calma, suave e no talento, mas deveria definir-se mais: Thalma é uma cantora com grande potencial, mas enquanto não decidir-se entre os palcos e a dramaturgia, continuará sendo essa que está; um grande potencial.
Thalma de Freitas, cantora, atriz, carioca, terminou em fevereiro de 2008 sua décima segunda novela, e o crítico levantou a mão para dizer que era o exemplo de uma atriz negra que, no Brasil, estaria sempre limitada a fazer papéis de negros limitados. Ela faz que não ouve, pensa que não tem sentido já que as louras siliconadas também estariam sempre limitadas a fazer papéis de louras siliconadas.
Thalma de Freitas tem 33 anos, é filha do maestro Laerte de Freitas, casada com um músico francês e declara que os críticos brasileiros são burros porque há nessas terras certo pensamento torto de que ator deve atuar, ator deve cantar, sapateador deve sapatear e pintor deve pintar. Nunca podem envolver-se em duas ou mais tarefas diferentes porque, para o crítico burro brasileiro, não existe o artista, só existem as tarefas de arte. Lamentável. Sorte que Thalma fez muito bem que não ouve e prossegue, e ri e, quando ri, tem uma beleza de tarde com sol malicioso à beira da praia.
A música estava na sua vida desde pequena, por conta do pai e por sua própria casa. Laerte de Freitas diz que a filha inventava músicas enquanto ele trabalhava ao piano e, assim, ela acabou indo inventar em cima dos palcos, à beira das noites, dentro dos bares, interpretando as canções populares do país. Thalma descobriu o teatro ao pensar melhor sobre aquela carreira de cantora onde estava investindo: não queria terminar na decadência de algumas cantoras da noite, sentia agonia da decadência de algumas cantoras da noite. Logo estaria mais envolvida com as novelas, de onde passou a tirar seu sustento já que, como conta, não nasceu rica. Os trabalhos foram se sucedendo e, por suas sortes e talentos, a moça pôde estar em importantes produções como a novela Xica da Silva, Dona Flor e seus dois maridos e O Clone. Mas a música sempre ali, não se deixando esquecer... Só restava a ela perder o medo e arriscar-se.
Em 2004, meteu-se num projeto que deu certo porque dera tudo errado, conta sem explicar os porquês. A bigband Orquestra Imperial nascera de uma brincadeira entre amigos que queriam reviver canções de gafieira, marchinhas de carnaval e sambinhas de qualquer natureza. Estavam naquele início Berna Cepas, Kassin e Seu Jorge mas, como era brincadeira e descompromisso, alguns membros eram incorporados enquanto outros iam saindo; Thalma foi uma das que entraram e ninguém mais a tirava dalí. A banda cresceu a ponto de reunir hoje mais de vinte músicos que fazem concertos de puro furor carnavalesco, no Brasil e fora dele.
Na mesma época, criou o projeto de um disco solo que levaria o seu nome mesmo; produzido de forma independente, nele reinam canções cheias de deleite retrô, escritas por compositores como Jacob do Bandolim. Na mesma época ficara surpresa ao acordar, ler os emails e descobrir que havia ganho o prêmio de melhor atriz no Festival de Cinema de Gramado pelo filme Filhas do Vento. E ela nem havia estado lá! Não queria ir sozinha e não a tinham deixado levar o marido, desanimou-se; também não pensava que ganharia algo.
Ficou em choque no momento em que leu aquela notícia, mas fala sobre isso com a mesma leveza com que pega o microfone e interpreta com intimidade as canções que sabe e sente de cor, é então uma cantora intimista, sem estrelismos nem arroubos de absurdo. Thalma prefere a leveza, a inteligência esperta e a suavidade com que a vida carrega para onde bem quer, para onde acha melhor soprar e inspirar. Como a arte, uma paixão que não tem formato. Ela gosta mesmo é das delícias do não escolher estar sobre os palcos, pular os microfones ou figurar telas sem dar satisfações. Apenas ser o que der.
Texto e desenho no Obvious.