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Timothy Treadwell era um cara com ares de surfista; ambientalista entusiasta, costumava dar palestras sobre a natureza em escolas secundárias alertando para a importância dos animais e dos eco-sistemas. Não tinha medo do perigo. Durante treze anos procurou estar todos os verões junto aos ursos-pardos do Alasca a quem tratava como amigos, dava nomes, conversava e alimentava com as próprias mãos. Sua história até virou filme, Gizzly Bear. Timothy Treadwell foi morto em outubro de 2003, junto com a namorada, parcialmente devorados por dois ursos. Nada pessoal: era um verão de poucos peixes.
A indicação de Sarah Palin à vice-presidência dos Estados Unidos pelo ticket republicano teve a clara intenção de provocar furor na audiência global e assim o foi. Governadora do estado do Alasca há vinte meses, Palin entra instantaneamente para história bem diante dos nossos olhos: antes era uma figura totalmente desconhecida e hoje um nome que supera o de celebridades locais que pensávamos incontornáveis como os ursos-pardos, os salmões e o destemido Timothy.
Nascida em Idaho, Sarah Palin, 44 anos, é mãe, esposa atenciosa, técnica do time de basquete local e republicana não-alinhada. Sua indicação à vice presidência está para, entre outras praticidades, afastar a imagem de J. MacCain da do impopular governo Bush, figurando como elemento surpresa - e polêmico - capaz de dar novos ares a campanha do partido, que andava parecendo a programação do Bloomberg quando posta ao lado das aparições mtv-messiânicas de Barack Obama. Assim, sedutoramente tem lançando lânguidos olhares aos eleitores democratas, rancorosos com a derrota da senadora Clinton e sobre os indecisos a respeito do candidato democrata, tudo ao mesmo tempo que acena com propostas reformistas. Para tudo isso, usa sua principal arma: a posse de uma vagina. Surgem aí requentados os discursos feministas que iam meio apagados desde a separação das Spice Girls.
Não abandona a essência, de todo modo. Palin é conservadora até os ossos; procura se dizer uma cidadã comum, dona de casa comum, que adora sapatos de grandes estilistas comuns e que trabalha fora, como uma governadora comum. Por causa disso nos conta que conheceu o marido Todd na escola secundária (ele, campeão de corridas com carros de neve e operador de produção na anglo-persa BP Oil) e que tiveram cinco filhos. Patrioticamente, informa que o mais velho desde o ano passado serve ao exército americano no Iraque e, cristãmente, que o mais novo é um bebê com síndrome de down. Conclama assim suas três principais convicções numa estocada só: a família, a ocupação americana e sua posição anti-aborto. Sim, tudo oportunismo político, mas usa-se e resulta.
Vejam que os jornais anunciaram esta semana a gravidez de sua filha Bristol, de 17 anos, um bebê já com cinco meses: lá estava a família perfeita maculada... Um escândalo. Mas, como não existe marketing ruim, Sarah Palin foi a imprensa mais uma vez defender a vida doméstica norte-americana e angarriar novas simpatias; a filha nunca faria um aborto, os pais a apóiam de modo incondicional e a moça se casará com o pai da criança imediatamente. Ruim mesmo é só processo administrativo que corre contra ela por ter demitido o cunhado de um cargo público após este ter se divorciado de sua irmã.
É uma família animada e dela tem se feito um bom e velho uso pop típico dos republicanos, topam tudo por poder e disso não têm o menor pudor. A escolha de Palin têm surtido efeitos favoráveis não-imaginados, como se pôde ver no discurso de quarta-feira na Convenção Republicana, um recorde de audiência, mais assistido que a abertura das Olimpíadas de Pequin. Todavia os rivais prosseguem dando ênfase no que é inegável na beldade que é a sua inexperiência política. Corre à boca pequena que, se ela não conseguiu controlar a própria filha, como controlaria um país? E o que haveria de conservador em ser a mãe da Juno? Sarah Palin rebate: a diferença dela como mãe e um pit-bull é somente o batom. Por tudo isso e mais uns bocados é que, até novembro, os olhos, lentes, microfones e links do YouTube estarão atentos aos passos de MacCain-Palin para descobrir o desfecho dessa corrida à Casa Branca. Duo improvável, mas os republicano não são ingênuos e sabem que mesmo os amigos podem se converter em devoradores. Não se devem esquecer as situações extremas. Nem prever até quando as boas intenções e otimismos de Obama conterão a cultura do medo que se instaurou entre os norte-americanos desde aquele setembro.
Texto e cartoon publicados no Obvious.